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23 de Abril de 2024
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    37 anos da Lei da Anistia: comemorar ou rever?

    há 8 anos

    No dia 28 de agosto, a Lei n.º 6.683/69, conhecida como Lei da Anistia, completa seus 37 anos. Promulgada ao fim dos anos do governo Figueiredo, seu artigo primeiro concedeu anistia a “todos (…) no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 que cometeram crimes políticos ou conexos com estes (…) punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”. Com o perdão político, porém, não apenas os presos, torturados e exilados foram anistiados, mas também os agentes da repressão que praticaram crimes a serviço do regime militar.

    Apesar de mais de 30 anos da sua promulgação, em que pese o discurso aparentemente sedutor da conciliação nacional, ainda hoje é deve ser discutido o teor da Lei da Anistia. A Ordem dos Advogados do Brasil tem posição no presente e no passado no sentido de que a lei não pode equiparar a crimes comuns os crimes de lesa-humanidade praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o Regime Militar. Seguindo a disposição de seus estatutos que a obriga a promover permanentemente a defesa dos direitos humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil ainda insiste na sua revisão.

    O Brasil foi o único país da América Latina que, diferentemente de seus vizinhos do cone sul, não puniu os agentes de Estado responsáveis pelos crimes cometidos contra os opositores políticos durante o regime militar. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal brasileiro, na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto a revisão da interpretação da Lei n.º 6.683, à luz da Constituição e do sistema internacional dos direitos humanos, entendeu que os crimes praticados pelos agentes da repressão foram abrangidos pela anistia, sendo equiparados a crimes políticos ou conexos. Entretanto, em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no acórdão Gomes Lund e Outros vs. Brasil, julgou e condenou o Estado Brasileiro pela prisão arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia (1972-1975). A Corte decidiu também que abranger os crimes cometidos pelos agentes de Estado pela Lei n.º 6.683/79 representa uma autoanistia contrária à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada e ratificada pelo Brasil.

    Inobstante o Estado brasileiro ser signatário do Pacto San José da Costa Rica (ou Convenção Americana de Direitos Humanos), os poderes constituídos brasileiros, apegados a uma interpretação meramente oportunista acerca do § 3º do art. 5.º da Constituição Federal, introduzido pela Emenda n.º 45/2004, insistem em afirmar que o Brasil não é obrigado a executar essa decisão e que a justiça de transição pode aqui ser resumida com o direito à memória e à verdade. Esse entendimento, além de contrário ao consenso internacional, é inadmissível diante de um princípio de direito intertemporal. É inadmissível também que um Estado que diz ser democrático e de direito sustente, como faz o Brasil, que o seu direito novo e interno se superpõe ao sistema internacional de direitos humanos.

    As lesões contra os adversários do regime e contra toda a humanidade, por terem envolvido assassinatos, desaparecimentos e torturas, não podem se acomodar apenas com a verdade dos fatos, muito menos podem ser invisibilizadas sob argumentos formais de respeito ao devido processo legislativo ou a teses de preclusões consumativas. Mesmo uma controvertida participação da Ordem dos Advogados do Brasil nos trabalhos legislativos que resultaram na Lei de Anistia, não a impede de insistir na sua revisão. Os erros do passado não justificam os do presente. A conciliação nacional não foi obtida e os direitos humanos merecem permanente defesa, ainda que vulnerados ou negligenciados outrora.

    Sem justiça de transição plena, com os crimes de lesa-humanidade reconhecidos somente para a história, a violência e a impunidade se perpetuam. Perpetuam-se até os dias de hoje, legando às presentes e futuras gerações uma cultura punitivista e militarizada de repressão e de segurança pública, que assim como ocorreu no passado, também vitima jovens e minorias nas periferias das cidades brasileiras e no sistema penitenciário. Sem a apuração e a punição dos crimes de Estado ocorridos durante a ditadura militar, nega-se também ao povo brasileiro um importante passo civilizatório e emancipatório no sentido do aprendizado da história e, o que é mais importante, a sua não repetição. Se o pacto não ocorreu, se a história foi contada em parte e se a violência ainda se perpetua, na figura da impunidade não conciliada, a lei de anistia deve ser revista.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/37-anos-da-lei-da-anistia-comemorar-ou-rever/378089167

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